Cinzas na cabeça e água nos pés! Um caminho que tem pouco menos de dois metros, mas na realidade muito mais duro e cansativo. Trata-se de partir da própria cabeça para chegar aos pés dos outros. Para percorrer este caminho não são suficientes os quarenta dias que vão da quarta-feira de cinzas até à quinta-feira santa. Precisamos da vida inteira. A quaresma é somente uma redução à escala. Arrependimento e serviço. São as duas grandes homilias que a Igreja confia às cinzas e à água, mais do que às palavras.
Não há crente que não seja seduzido pelo fascínio destas duas homilias. As pregações, feitas dos púlpitos, esquecemos facilmente, mas estes dois anúncios não! Porque os símbolos que os exprimem falam uma linguagem que toca o mais profundo do nosso ser.
É difícil não sentir a força da cinza. Mesmo sendo leve cai em cima da nossa cabeça com a violência do granizo. É como se levássemos uma martelada que faz ecoar em nós a coisa mais importante de toda nossa vida: “Convertei-vos e crede no Evangelho!”
Infelizmente nem todos conheçam a rubrica do missal que exige que as cinzas sejam obtidas dos ramos de oliveira benzidos no Domingo de ramos do ano anterior. Se o soubessem as alusões ao empenho pela paz, a acolher Cristo, a reconhecer n’Ele o nosso único Senhor, à esperança de uma entrada definitiva na Jerusalém Celeste, tornar-se-iam autênticos itinerários de conversão. Aquele “shampoo de cinzas” fica impresso para sempre e se você repara bem, sobre o travesseiro da nossa existência, depois da noite da quaresma, vão aparecer às cinzas recebidas quarenta dias antes como a simbolizar o pecado e a morte que ficou para traz depois da vitória do nosso salvador.
Assim também ficará para sempre impresso o tilintar da água a cair na bacia que lavará os pés aos irmãos. Este anúncio “escutamos com olhos” desde pequenos e ficamos maravilhados ao olhar enquanto víamos a água cair sobre os pés daquele amigo ou vizinho. Um anúncio este privo de retórica, mas rico de bondade. Privo de retórica mesmo no repetir-se de gestos sempre iguais: um pé que se levanta, um jarro que deita água, uma toalha que seca e depois… o gesto mais forte… o sigilo de um beijo. Uma homilia estranha essa. Porque a pronuncia-la sem palavras, ajoelhado diante de doze símbolos da pequenez humana, é um homem que a mente lembra de joelhos somente diante da hóstia consagrada.Oh gesto maravilhoso! Gesto que sigila de vez a oferta total e a dedicação ao serviço.
Oh grande poder da invocação dos símbolos! Por ti aprendi a ser cristão, por ti sei como devo ser cristão!
Um desejo para cada um: que a cinza nos queime como se tivesse acabado de sair da cratera de um vulcão…só assim descobriremos a riqueza daquela água para versar sobre os pés dos irmãos.
Arrependimento e serviço: Estradas obrigatórias sobre as quais caminhar para voltar a casa.
Cinzas e água: ingredientes essenciais para uma vida com sentido.
Tudo isto, símbolo de uma conversão completa que nos envolverá da cabeça aos pés…
da minha cabeça, aos pés do meu irmão.
Boa conversão!
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