A celebração dos 500 anos do nascimento de São Francisco Xavier é uma ocasião para redescobrir uma figura missionária extraordinária que, através de sua profunda humanidade e disposição para a amizade, encontrou o caminho da santidade no encanto pelo rosto do outro e do pobre ... um encanto que o conduz ao pleno encontro com Deus.
Os biógrafos de Francisco Xavier dizem que seu aspecto físico e exterior revelava uma pessoa fisicamente forte e equilibrada: “O Padre Francisco era de estatura antes grande que pequena, tinha o rosto bem proporcionado, branco e corado, alegre e de muito boa graça; os olhos negros, a fronte larga, o cabelo e barba pretos”, escreve o Pe. Manoel Teixeira.
Suas qualidades, moldadas desde a infância pela educação familiar e por uma vida marcada pelos conflitos, o habilitavam a resistir às fadigas do ministério e a enfrentar os riscos e os perigos das viagens daquele tempo. Era também uma pessoa dotada de grande inteligência e de sensibilidade aguda, curiosa e interessada a tudo, interiormente livre e afetivamente rica, madura, coerente, psicologicamente bem identificada. Xavier é capaz de defender suas idéias e, ao mesmo tempo, é aberto às novidades, sobretudo, às relações interpessoais, graças a um temperamento feliz e expansivo, comunicativo e alegre, com uma extraordinária disposição à amizade.
Essa sua amizade é dirigida em primeiro lugar a seus companheiros, particularmente a Inácio de Loyola, ao qual era afetuosamente muito ligado. Partindo de Roma, Francisco sabe que não o encontrará mais e então ele sonha com o dia em que no céu o encontrará “face a face e com muitos abraços”. Mas antes de embarcar para a sua última viagem rumo à China, ouve falar de uma estrada que da China vai até Jerusalém. Francisco retoma um sonho de sua juventude, quando junto a Inácio e aos primeiros companheiros, faz o propósito de ir a Jerusalém com a intenção de levar aos muçulmanos um singelo testemunho de pobreza e de entrega a Deus. Neste projeto, ele tem um desejo louco de reencontrar Inácio, seu amigo e seu pai espiritual, que está em Roma e que não vê a mais de dez anos. Na última carta que lhe escreve de Goa, em abril de 1552, fala-lhe dessa possibilidade e já planeja concretizar seu sonho: “se isso for como me contam, eu o escreverei a Vossa Santa Caridade, quantas léguas e quanto tempo precisará para chegar da China até Jerusalém”.
Poucos meses depois, Francisco morrerá na Ilha de Sancião na companhia de um Crucifixo, de um fiel amigo chinês e de um pequeno estojo com as assinaturas de Inácio e de todos seus companheiros, recortadas das cartas deles. Ele as levava sempre consigo, guardando-as do lado esquerdo do peito.
Francisco sabia que tinha um grande coração que o amarrava facilmente às pessoas. Ele precisava dominar, de vez em quando, seus sentimentos. Ele conta que, depois de uma quaresma em Ternate nas Ilhas Molucas, teve que embarcar escondido a meia noite para evitar de deparar com os “choros e prantos dos meus devotos, amigos e amigas”. Em vão. Uma multidão de indígenas o estava esperando na praia para despedir-se dele.
Francisco tinha o dom de criar e manter profundas relações humanas, de saber falar com as pessoas de todas as classes sociais, desde os príncipes até o último pobre pescador, desde os mais devotos cristãos até os marinheiros e os comerciantes que encontrava, capaz de explicar o catecismo aos mais humildes e de encarar o Rei de Portugal. Numa de suas cartas, ele afirma: “Eu vou no meio do povo sozinho, sem intérprete. Eles não me entendem e nem eu entendo eles. Batizo os recém-nascidos e outras pessoas que encontro para batizar: para isso não preciso de intérpretes. Os pobres me fazem entender suas necessidades sem intérpretes e eu, olhando-os, os entendo sem intérpretes. Para as coisas mais importantes não preciso de intérpretes”.
Em Goa, um dos seus jovens confrades relata: “Ele era sempre carinhoso, cheio de espírito em seus discursos, era o primeiro a colocar a sela e a dar de comer aos nossos cavalos. Falava de Deus e ganhava os corações de todos os que o ouviam. Em qualquer lugar, ele deixava a impressão de sua santidade e, sobretudo, do seu amor”.
Ao Rei de Portugal escreve nove cartas sobre problemas muito delicados relativos a sua vida espiritual, como também sobre sua maneira de governar e de vigiar seus subordinados que oprimiam o povo e não se preocupavam com as exigências da vida cristã. Francisco era uma daquelas pessoas que se apaixonavam para o bem, a justiça e para a defesa dos direitos dos pobres. Ele não tem medo de chamar as coisas com o nome delas, sem alguma reserva.
A simplicidade e a linearidade do caráter de Francisco Xavier transparecia também pela sua maneira de vestir, que era muito simples, em nada suntuosa, mesmo sabendo de ser o Núncio Apostólico do Papa para o Oriente. Assim o descreve o Pe. Teixeira: “trazia uma batina pobre e limpa, sem faixa nem manto, pois este era o traje dos sacerdotes pobres da Índia ... Era muito afável com os de fora, alegre e familiar com os de casa”. Como as pessoas verdadeiramente grandes, Xavier não mostrava sua grandeza na aparência, mas na caridade.
Nesta simplicidade e pobreza, Francisco Xavier seguia a disposição das primeiras Constituições da Companhia de Jesus que diziam quanto “mais suave, mais pura, mais edificante para os fiéis é a vida quando é absolutamente distante de toda sombra de interesse e mais conforme à pobreza”.
Para concluir este retrato da personalidade de Xavier, é lícito perguntarmos se este homem não tivesse tido algum defeito. Com certeza, no seu ardor missionário deve ter incomodado muitas pessoas e, sendo um homem de grande atividade, terá precisado de alguém, depois dele, que colocasse em ordem as coisas e tudo o que não conseguia acabar. Podemos pensar que, em alguma ocasião, pode ter exagerado em contrastar as pretensões e as injustiças causadas pelos portugueses nas colônias. Particularmente, deve ter feito sofrer as pessoas medíocres. No final, porém, deve ter sido perdoado de tudo pela sua bondade alegre e sua generosidade.
OS MELHORES AMIGOS DAS PESSOAS
Essa disposição à proximidade e à amizade com as pessoas, pode ser encontrada também na experiência missionária de outro grande Francisco, o de Assis. Nesse diálogo com frei Tancredi, ele esclarece qual é o papel da amizade no anúncio da Boa a Nova aos outros:
“O Senhor nos enviou a evangelizar os povos. Mas você nunca refletiu o que significa isto? Evangelizar uma pessoa significa dizer-lhe: ‘Você também é amado por Deus em Cristo’. Não basta dizê-lo: precisamos estar convencidos. Não basta também estarmos convencidos: devemos agir com aquela pessoa de modo que ela perceba e descubra em si mesma algo que foi salvo, algo de mais grande e mais nobre que ela não tivesse pensado antes. Devemos, enfim, provocar nela o despertar de uma nova consciência de si mesma. Isso significa anunciar-lhe a Boa Nova. Contudo, não poderá obter este bom resultado se não oferecendo àquela pessoa a tua amizade: uma amizade real, desinteressada, sem complacência, toda alimentada de confiança e de estima recíproca.
Nós devemos ir às pessoas. Isso não é fácil. O mundo humano é um imenso campo de batalha onde as pessoas combatem para se enriquecer e dominar. Demasiadas dores e atrocidades escondem aos seus olhos o rosto de Deus. Aproximando-nos a elas, devemos, sobretudo, evitar aparecer aos seus olhos como uma nova espécie de competidores. Nós devemos ser, no meio das pessoas, as testemunhas pacíficas do Todopoderoso, sem sombra de cobiça e de desprezo, capazes de tornarmos realmente seus melhores amigos. As pessoas aspiram à nossa amizade, uma amizade que as façam sentir de ser amadas por Deus e de ser salvas em Jesus Cristo”.
(Éloi Leclerc. La sapienza di um povero. Milano: Edizioni Biblioteca Francescana, 1989, pp. 148 – 149).
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