“Quem não tiver pecado, atire nela a
primeira pedra” (Jo 8, 1-11)
Essa história
parece muito mais semelhante às narrativas do Evangelho de Lucas do que do
Evangelho do Discípulo Amado. De fato, não aparece nos manuscritos mais antigos
de João e só aparece pela primeira vez em versões do século terceiro. Por isso,
a maioria dos estudiosos acha que originalmente esta história circulava nas
comunidades como uma tradição independente. O copista que a inseriu talvez
fizesse por achar que ilustrasse duas frases do Quarto Evangelho: “Eu não julgo
a ninguém” (Jo 8, 15) e “Quem de vocês pode me acusar de pecado?” (Jo 8, 46). O
tema do perdão de uma mulher pecadora é tipicamente lucano. Alguns manuscritos
situam esse texto no Evangelho de Lucas durante as controvérsias da Semana
Santa - o que parece ser um contexto mais adequado.
O problema apresentado a Jesus pelos fariseus é semelhante àquele do imposto em
Lc 21, 27-38. A Lei judaica prescreveu a pena de morte para uma mulher casada,
pega em adultério (Dt 22, 23-24). Mas, segundo João 18, 31, os romanos tinham
retirado dos judeus o direito de condenar alguém à morte. Portanto, se Jesus
dissesse que ela deveria ser apedrejada, ele contrariaria a lei civil dos
romanos; se ele negasse esta pena, estaria contra a lei religiosa mosaica. É
uma cilada semelhante ao dilema sobre o imposto a César em Mc 12 13-17, ou a
questão sobre o divórcio em Mt 19, 3-9. Que os seus interlocutores não se
interessam pela Lei se manifesta pelo fato de só acusarem a mulher e não o seu
parceiro! Uma atitude machista tão comum ainda na nossa sociedade.
Não se esclarece o que foi que Jesus escreveu no chão. Alguns autores vêem uma referência a uma frase em Jeremias: “Aqueles que se afastam de ti terão seus nomes inscritos na poeira, porque abandonaram Javé, a fonte de água viva” (Jr 17,13). Assim
seria uma indicação que os verdadeiros culpados são aqueles que
se davam o direito de condenar a mulher.
Perguntando da mulher se os seus acusadores não a tinham condenado, Jesus deixa claro que ele não se identifica com eles. Ele não veio para condenar, mas para salvar! Por isso a mulher está livre para ir - mas não para pecar de novo!
O texto ilustra mais uma vez o recado central que vimos no evangelho do último Domingo - Deus é um Deus de misericórdia, e não de condenação. Ele condena o pecado, o mal, mas não a pessoa. Como em Lucas 15, 1-2 também no texto de hoje as pessoas que mais deviam se preocupar em manifestar o rosto misericordioso do Pai, se preocupavam mais em condenar, a partir de um legalismo que desconhecia a misericórdia. Jesus, do outro lado, valoriza a Lei (pede que a mulher não continue a pecar), mas tem compaixão diante da fraqueza humana. Aliás, é notável que, nos Evangelhos, Jesus nunca é duro ou rígido com as pessoas que manifestam nas suas vidas sinais da fraqueza humana, mas é contundente com os que não têm compaixão nem misericórdia e que escondem o verdadeiro rosto de Deus através do seu legalismo e autossuficiência.
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