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8/19/2016

MARIA, MÃE DA ESPERANÇA

A vida nasce aonde menos se espera... (Lucas 1,39-56)

Para muitas igrejas, a Palavra evangélica proposta para a liturgia do próximo final de semana é a visita de Maria a Isabel (Lucas 1,39-56), que faz parte dos relatos da Infância de Jesus segundo Lucas (Lucas 1-2). Essas narrativas, mais do que dizerem como os fatos aconteceram, indicam para realidades mais profundas que iluminem a caminhada das comunidades a quem se destinam. Em resumo, o primeiro capítulo do Evangelho da Infância mostra como é reconhecida a ação de Deus em meio ao povo excluído, mas cheio de esperança, representado por Zacarias, Isabel e Maria. Dois eram idosos, uma era estéril e a outra ainda não havia tido relações sexuais com homem. Portanto, eram pessoas de quem não se esperava que pudesse nascer vida nova, que pudessem dar à luz uma criança.

Maria pôs-se a caminho... (Lucas 1,39)

A narrativa proposta pode ser dividida em três momentos. O primeiro descreve
a ida de Maria à casa de Isabel e de Zacarias, próxima de Jerusalém (Lucas 1,39-41), uma caminhada de mais de 100 km. De um lado, essa saída de casa faz-nos lembrar de tantas jovens que, como Maria, também deixam seus povoados quando engravidam, a fim de encontrar apoio em familiares que moram distante. De outro lado, quando foi chamada para ser a mãe do Messias, Maria havia se disponibilizado para estar a serviço da Palavra de Deus (Lucas 1,38). Agora, ela já está a caminho para servir, para ser solidária com outra mulher, também grávida. É a solidariedade entre as mães que reconhecem em seus corpos o agir do Espírito divino, pois ambas receberam a graça da fecundidade de forma misteriosa. Mas não é somente o encontro de duas mulheres. É também o encontro de duas crianças ainda no útero de suas mães. É o encontro do Precursor com o Salvador. João alegra-se com a visita de Jesus (Lucas 1,41). Ainda no ventre materno, já aponta para seu primo como aquele que vem socorrer o seu povo num momento de forte repressão do império romano.

Feliz aquela que acreditou... (Lucas 1,45)


A segunda parte desta narrativa é a saudação que Isabel faz a Maria (Lucas 1,42-45). Impulsionada pelo Espírito, a mãe de João Batista reconhece Maria como a mãe do Messias. Ao mesmo tempo em que elogia a sua fé (Lucas 1,45), a declara abençoada, bem-aventurada, assim como o fruto do seu ventre (Lucas 1,42). Essa saudação faz lembrar outras mulheres que também foram chamadas de benditas. São os casos de Jael (Juízes 5,24) e de Judite (Judite 13,18), ambas libertadoras de seu povo ameaçado por exércitos poderosos. Em Lucas 1,56, podemos ler que Maria ficou três meses com Isabel. Mais uma vez, os autores do texto fazem memória das Escrituras
de Israel e querem nos apresentar Maria como a nova Arca da Aliança, pois em seu útero carrega o Emanuel, o Deus que está em nosso meio. É que, da mesma forma como Maria ficou os três meses com Isabel, também a antiga Arca da Aliança havia ficado durante três meses na casa de Obed-Edom (2 Samuel 6,2-11; cf. v. 11). Em outras palavras: os representantes da antiga Aliança, Zacarias (Javé se lembrou) e Isabel (Deus é plenitude), reconhecem a ação de Deus em Maria (a amada) e Jesus (Javé salva), representantes da nova Aliança. João (Javé é misericórdia) anuncia que a misericórdia de Deus na antiga Aliança vem se realizar plenamente em Jesus de Nazaré. Por isso, seus pulos de alegria no ventre de Isabel (Lucas 1,41.44), acolhendo o novo que está por nascer.

E encheu de bens os famintos... (Lucas 1,53)

A terceira parte do relato é a reação de Maria à saudação de Isabel, é o cântico de Maria conhecido como Magnificat (Lucas 1,46-55). Ele está recheado de memórias da história de Israel, especialmente do canto de Ana, a mãe do profeta Samuel (1 Samuel 2,1-10). Entre outros textos, recorda também a profecia de Sofonias em favor dos pobres de Javé, o resto fiel a Deus (cf. Sofonias 2,3; 3,11-13).

Maria é a legítima representante de todos os pobres que têm esperança. Da mesma forma como o profeta Habacuc (Hab 3,18), ela percebe a presença de Deus e se alegra com sua grandeza (Lucas 1,46-47). E o motivo dessa alegria é que, tal como na experiência libertadora do Êxodo (Êxodo 3,7-8), Deus viu a humilhação dos pobres e exerce sua misericórdia para com eles, estando a seu lado para libertá-los (Lucas 1,49-50; Salmo 103,17). 

Qual é a força capaz de promover essa libertação? É a força do braço de Deus,
isto é, a força de sua justiça, que consiste em um projeto revolucionário que subverte relações desiguais. Se antes os poderosos humilhavam os pobres a partir de seus tronos, agora os famintos são exaltados e comem pão com fartura (Lucas 1,51-53). Mais que ser uma mulher submissa e alienada dos conflitos sociais de seu tempo, Maria é uma mulher de luta pela igualdade e pela superação de todas as injustiças. Ela é subversiva porque subverte as relações de humilhação propondo a acolhida e a igualdade. Não é por acaso que seu filho seguiu os passos dela nesse caminho. É no engajamento pela superação de todas as formas de opressão que revelamos a misericórdia divina em nossa prática. A justiça de Deus se revela em seu agir na defesa dos fracos e contra todos os sistemas que os oprimem, sejam eles políticos ou econômicos, culturais, jurídicos ou religiosos. Nesse agir libertador se manifesta a aliança fiel e
misericordiosa esperada desde as origens do povo hebreu (Lucas 1,54-55; Miquéias 7,20).
O Magnificat celebra a esperança na realização da vontade de Deus que liberta. E mais. Convida a todas as pessoas discípulas de Jesus a nos juntarmos a Maria para colocar-nos a serviço desse projeto de Deus, de modo que também em nós se realize a sua Palavra (cf. Lucas 1,38). A ação divina em Maria foi possível por que ela acreditou (Lucas 1,45), ela deu a sua contribuição, colocando-se a serviço de Deus na solidariedade. Mais adiante, quando uma mulher também declarara Maria feliz, Jesus dirá a ela que “felizes, sobretudo, são os que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática” (cf. Lucas 11,27-28). E essa bem-aventurança soa forte para nós ainda hoje.

[Ildo Bohn Gass]


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