Samaritana:
história de uma sede (Jo 4,5-42)
“Senhor, dá-me dessa água, para
que eu não tenha mais sede…” (Jo 4,15)
Vamos, pois, buscar inspiração no
encontro instigante de Jesus com a Samaritana, junto a um poço.
Assim como a água, necessária para
a vida, é preciso extraí-la do fundo da terra, também a água do Espírito é
preciso tirá-la das profundezas de si mesmo.
No início do relato vemos uma
mulher caminhando em direção ao poço de Siquém em busca de água; ela vive um
“eu fragmentado”, perdida em sua solidão, sedenta de um sentido para sua
existência…
Tinha graves problemas, estava
confusa, em toda sua vida havia buscando o grande amor. No entanto, seus
casamentos fracassados continuavam a perturbá-la. Era uma mulher que havia se
perdido no caminho: tantos cântaros quebrados, tantos pedaços para recolher.
Jesus rompe com as fronteiras
culturais e religiosas, assenta-se junto ao poço de Jacó e, através de um
diálogo provocativo, ajuda a mulher samaritana a encontrar, dentro dela mesma,
esse centro de onde mana sem cessar uma água que mata a sede, e não buscá-la em
tantos poços secos ou rachados.
Com sua presença instigante, Jesus
ajuda a mulher a integrar suas rupturas existenciais, reconstruindo-a como
pessoa, a partir de sua própria interioridade.
O encontro com Jesus fez a
samaritana viver uma verdadeira “páscoa”, passando de uma vida trivial e
dispersa à missão de anunciar aos outros Aquele com quem se havia
encontrado.
Como uma água “que jorra para a vida eterna”, uma torrente de gratuidade
percorre a cena e transfigura a mulher. Ela foi sendo conduzida até sua própria
interioridade através de um paciente processo que a fez passar da dispersão à
unificação, da exterioridade à interioridade, da desarmonia à unidade interior,
da solidão à comunhão com os outros.
Ela entra em cena como “uma mulher
da Samaria” e sai dela como conhecedora do manancial de “água viva”, consciente
de ser buscada pelo Pai para fazer dela uma adoradora. Sua identidade
transformada a converte em uma evangelizadora que consegue, através de seu
testemunho, que muitos se aproximem deJesus e creiam nele. Aquela que falava de
“tirar água” como uma tarefa de esforço e trabalho,
abandona agora seu cântaro:
Jesus a fez descobrir um dom que lhe é entregue gratuitamente.
Na realidade, ela passou a ter a
sensação de estar nascendo pela primeira vez e que Deus a amava. Caíam as
etiquetas. Tudo o que tinha sido, a samaritana, filha de sangues misturados e
de religião meio pagã, a mulher com uma vida afetiva fracassada, a amante que,
depois de compartilhar sua vida com seis homens, duvidava de ter sido amada de
verdade alguma vez… tudo aquilo parecia deixar de existir.
Os véus que cobriam o verdadeiro
rosto da mulher do cântaro vazio, foram levados pelo vento. Ela se tornou
“pessoa”.
Estamos, aqui, diante de uma vida
em processo. Ao longo do relato assistimos a tentativa da mulher de permanecer
em um nível superficial e mover-se em seu diálogo com Jesus no âmbito da
superficialidade. Uma e outra vez ela procura escapar e desviar a conversação
para terrenos que não permitem descer em sua profundidade e que não a deixam
enfrentar-se com a verdade de sua existência.
Mas ela não contava com a
tenacidade de Jesus e com sua determinação de alargar aquela vida atrofiada. Ao
longo do encontro, Ele é o verdadeiro protagonista, o condutor da cena e aquele
que marca as estratégias da conversação.
Como hábil pescador, Jesus joga
suas redes e lança seus anzóis para tirar a mulher,
com quem dialoga, das águas
enganosas da trivialidade e do desejo de auto-justificação que a afogam.
Como bom pastor que conhece suas
ovelhas, Jesus a faz sair do deserto da superficialidade, vai guiando-a para a
profundidade e autenticidade, para a terra do dom da água viva.
Como amigo que busca criar
relações pessoais, em nenhum momento emite juízos morais de desaprovação ou
condenação: em lugar de acusar, prefere dialogar e propor, emprega uma
linguagem dirigida ao coração da mulher.
Como “expert” em humanidade, Jesus
mostra-se profundamente atento e interessado pela interioridade de sua interlocutora
e lhe faz descobrir o manancial que pode brotar
do mais profundo dela mesma.
Revela-lhe também a interioridade
de Deus como Pai que busca adoradores em espírito e em verdade.
Jesus desperta a samaritana a cair
na conta que é preciso abrir-se a um “manancial” novo, que lhe vem através
d’Ele e que “brota em seu interior” de um modo permanente. Ele é o manancial e
com sua presença desperta o manancial interior da samaritana, entupido.
“Dá-me um pouco de sede porque
estou morrendo de água!”
Eis o clamor da nossa geração que
tendo quase tudo, parece que não consegue descobrir o sentido da própria
existência. Morre de sede junto ao poço de água viva.
A sede se refere à busca de
sentido presente em todo ser humano, busca daquilo que
traz definitivamente a paz:
a “água viva” que coincide com o “dom de Deus”.
Por isso, o relato se situa
intencionadamente em chave de oferta: “se conhecesses o dom de Deus…”
Acabou-se o tempo dos templos; a
adoração passa pelo coração, é interior e verdadeira, corresponde a uma vida em
fidelidade.
A experiência acontece quando
escutamos em nosso interior o “eco” que a água viva produz, saciando nossos
desejos mais plenos. “Uma água viva murmura dentro de mim e me diz: Venha para
o Pai” (S. Inácio de Antioquia)
Como a samaritana, também diante
de nós se apresenta uma alternativa: continuar buscando água viva e
justificação em poços secos e esgotados ou eleger “vida eterna” e deixar-nos
arrastar pela oferta de transformação proposta pelo Jesus que nos busca, porque
deseja ampliar nossa existência e comunicar-nos alegria e plenitude.
Adroaldo
Palaoro
Nenhum comentário:
Postar um comentário