NO CAMINHO DE EMAÚS (Lucas 24,14-31)
1. De que estavam falando pelo caminho?
Duas pessoas
andando pela estrada. Desanimadas. Tristes! Estavam indo na direção contrária.
Fugindo. Buscando. Imagem de ontem e de hoje. Imagem de todos nós. No ano de
85, muitos discípulos e discípulas andavam pelo caminho, tristes, desanimados,
sem saber se estavam no caminho certo. Parece que a cruz ficou maior e mais
pesada. O desemprego, a violência, a droga, a falta de atenção séria à saúde e
à educação, a falta de dinheiro, as dívidas… o desespero. Sentimo-nos
impotentes frente à corrupção que desvia fundos dos cofres públicos, ou frente
à má administração que deixa o povo no desamparo. O sistema neoliberal vai
gerando cada dia mais exclusões de indivíduos, grupos e países. Parece que
vivemos em um caos, em uma situação sem saída. Temos a impressão de estarmos
caminhando ladeira abaixo, para o pior.
2. Tinham os olhos vendados
A experiência
da morte de Jesus tinha sido tão dolorosa que eles perderam o
sentido de viver
em comunidade, abandonaram o grupo de discípulos e discípulas. Sentiram-se
impotentes diante do poder que matou Jesus e procuraram salvar pelo menos a
própria pele. Sua frustração era tão grande, que nem reconheceram Jesus, quando
este se aproximou e passou a caminhar com eles (24,15). Tinham um esquema
rígido de interpretação sobre o Messias, e não puderam ver a salvação de Deus
entrando em suas vidas. Algumas discípulas tentaram ajudar os companheiros a
perceber que Jesus estava vivo (24,22-23). Mas eles se recusaram a acreditar
(24,24). Esta notícia era por demais surpreendente. Era o mesmo que dizer que
Jesus era o vencedor do caos e da morte. Só podia ser fantasia, sonho, delírio
de mulheres (24,11). Impossível acreditar! Quando a dor e a indignação pegam
forte, há pessoas que ficam depressivas, desesperadas. Outras se tornam coléricas
e amargas. Algumas invocam o fim do mundo com catástrofes que vão tirar os maus
da face da terra. Outras buscam evadir-se numa oração sem compromisso social e
político. Mas nenhuma dessas posturas ajuda a abrir os olhos e analisar a
situação com fé lúcida e responsável, capaz de inventar saídas para esta
situação aparentemente sem saída.
3. A Bíblia esquentou o coração, mas não abriu os
olhos
Caminhando
com eles, sem eles se darem conta, Jesus fazia perguntas. Escutava as respostas
com interesse. Dessa maneira, obrigava-os a irem fundo no motivo da sua
tristeza e fuga. Procurava fazê-los expressar a frustração que sentiam. Depois,
ia iluminando a situação com palavras da Escritura. Procurava situar os
discípulos na história do povo, para que pudessem entender o momento que
estavam vivendo. Foi uma experiência apaixonante. Mais tarde, eles iriam fazer
uma reflexão e perceber que o coração deles ardia, quando Jesus lhes explicava
as Escrituras pelo caminho (24,32). Mas a explicação que Jesus dava a partir das
Escrituras não conseguiu abrir os olhos dos discípulos.
4. Eles o reconheceram na partilha do pão
Caminhando
com Jesus, os discípulos sentiram o coração arder. Cresceu dentro deles uma
atitude de acolhida: “Fica conosco! Cai a tarde e o dia já
declina” (24,29).
Foi só então que a partilha aconteceu. Partilha de vida, de oração e de pão.
Partilha que abriu os olhos e provocou a mais importante descoberta da fé: ele
está vivo, no meio de nós! (24,30-31). Esta descoberta lhes deu forças para
voltar a Jerusalém, mesmo de noite. Tinham pressa de partilhar com os outros a
descoberta que os fez renascer e ter coragem para enfrentar o poder da morte.
Sim, Jesus era de fato o vencedor do caos e da morte! Não era fantasia das
mulheres. Era uma realidade escondida, misteriosa, que só pode ser descoberta
por quem aprende a partilhar, a se entregar, a sair do círculo vicioso dos
interesses egoístas, para lutar junto com os outros pela vida de todos. Quando
seus olhos se abriram, livres das trevas e travas por poder dominante, puderam
descobrir a morte de Jesus como expressão máxima de um amor sem limites. Amor
que tem sua origem no Pai cheio de ternura, gerador incansável da vida. Amor
que tomou carne em Jesus de Nazaré para visitar e redimir a humanidade. Amor
que se mantém fiel até ao extremo de dar a própria vida, para que todos tenham
vida (Jo 10,10). Amor que foi confirmado pelo Pai, quando ressuscitou Jesus da
morte.
5. Renascer para uma nova esperança
Esta
experiência fez os discípulos renascerem para uma nova esperança. Ao
redor de
Jesus vivo, eles se uniram de novo e assumiram o projeto de vida para todos. A
esperança é como um motor que leva a acreditar nos outros e a inventar práticas
de fé. Com a esperança renovada, aquilo que parecia uma total impossibilidade passou
a ter um novo significado para eles. Perderam o medo, superaram a experiência
de incapacidade e de impotência. Deixaram de lado o negativismo derrotista e
voltaram, em plena noite, como se fosse de dia. Voltaram para recomeçar, para
reconstruir a comunidade, expressão, sinal e sacramento da presença de Jesus
Ressuscitado.
6. Refazer hoje a experiência do caminho de Emaús
Desafiados
pela atual conjuntura, somos chamados a viver hoje a experiência
de Emaús e
descobrir, na partilha solidária, a presença de Deus no meio de nós. Como
comunidade de fé, somos chamados a reconstruir, no diálogo, na abertura e na
acolhida, o projeto de Jesus, pelo qual ele entregou sua própria vida. A
solidariedade leva à descoberta da força libertadora de Deus na história. Com olhar
lúcido e criativo procuraremos expressar esta fé numa solidariedade bem
concreta e articulada, seja em nível de grupo, de bairro ou de cidade. Dizer
articulada quer dizer que esta ação solidária deve ser comunitária. Só assim
será de fato sinal do Reino e poderá intervir em favor da vida, da vida
indefesa dos pobres, os preferidos de Jesus.
Mesters e Lopes
Fonte: Trecho retirado do livro O avesso é o
lado certo, publicado pelo CEBI.
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