Páginas

4/12/2012

O AMOR QUE NOS IMPULSIONA

Por Pe. Alfiero Ceresoli


O amor de Cristo nos impulsiona! Contemplando Aquele que nos amou até o fim, Paulo descobre o infinito amor do Pai. A missão nasceu dentro dele, como resposta ao amor sem medida de Deus. A consagração do Bem-aventurado Conforti nasce da contemplação do Cristo crucificado. A experiência desse amor gratuito de Deus é tão forte que a pessoa sente que deve responder com dedicação incondicional de sua vida.

“Eu olhava a ele e ele me olhava e parecia me falasse muitas coisas”. Com esta recordação o bispo dom Guido Maria Conforti, fundador dos Missionários Xaverianos, confidenciava aos amigos mais íntimos a origem de sua vocação missionária. Ainda era adolescente quando a caminho da escola parava numa igreja e ficava olhando um grande crucifixo. Olhos fascinados nos olhos semi-abertos de Cristo; ouvidos atentos às mensagens mudas, mas eloqüentes, saindo daquela imagem, coração aberto a acolher o chamado para um serviço na Igreja e ao mundo.

Jesus, e Jesus crucificado, é o terreno mais fecundo, a raiz mais profunda, o alicerce mais seguro da missão: é a experiência de Paulo. Na estrada de Damasco a voz misteriosa se apresentou como a de alguém que é perseguido: “Saulo, Saulo, porque me persegues?” O Crucifixo é o “lugar” onde se alimenta e recebe força a vocação missionária de Paulo. Entre os textos em que Paulo se auto-apresenta como chamado a ser apóstolo desvelando a profundidade de sua experiência mística e apostólica, sobressai sem dúvida (2Cor 5,14-17):

“O amor de Cristo é que nos impulsiona, quando consideramos que um só morreu por todos, e conseqüentemente todos morreram. Ora, Cristo morreu por todos, e assim aqueles que vivem, não vivem para si, mas para aquele que por ele morreu e ressuscitou. De modo que nós, daqui para frente, a ninguém consideramos com critérios humanos; e se outrora consideramos Cristo com critérios humanos, agora já não o fazemos. Se alguém é cristão é criatura nova. O que era antigo passou, chegou o novo”.

Crucifixo, amor que perdoa – Paulo sentiu ser envolvido nesse amor desde o dia em que perto de Damasco foi lançado por terra. Talvez naquela queda não houvesse uma conversão, Paulo continuou sendo o teimoso e apaixonado procurador de Deus e de sua salvação. Na cegueira procurada pela luz fulgurante de Deus enxerga a verdade: a lei e sua observância não liberta, alias escraviza mais e mais. Naquele encontro misterioso percebeu que Deus é amor, é perdão, é Pai. Sem dúvida nas aulas de Gamaliel deve ter decorado o texto da passagem de Javé pelas costas de Moises. “Javé passou diante de Moisés, proclamando: Javé, Javé! Deus de compaixão e piedade, lento para a cólera e cheio de amor e fidelidade”. Caído por terra, Saulo começava a conhecer Deus na pessoa e na história humana de Jesus Cristo. Conhecê-lo não pelas aulas eruditas dos doutores da lei (pelas costas), mas nos gestos de amor do Filho, “nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os súditos da lei, e nós recebêssemos a condição de filhos” (Gl 4,4). Resgatados, assim como o próprio Saulo estava sedo resgatado nessa improvisa e inesperada irrupção de Deus e de seu perdão em sua própria vida. “Deus demonstrou seu amor no fato de que, sendo ainda pecadores, Cristo morreu por nós” (Rm 5,8).

Paulo não tem medo a se definir, como os outros, merecedor da ira de Deus, “mas Deus que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, deu-nos a vida juntamente com Cristo” (Ef 2,4). Os seus pecados são perdoados e a sua dívida pregada na cruz. “Cancelou o documento de nossa dívida com suas cláusulas contra nós e o anulou pregando-o consigo na cruz” (Cl 14). É possível deixar de anunciar tamanha misericórdia?

Crucifixo, lugar de encontro da fraternidade universal – Depois de ter encontrado Jesus, o único que morreu por todos, Paulo percebe que os critérios humanos não podem mais ser utilizados nas relações entre as pessoas. É um paradoxo evangélico: os critérios humanos não bastam nas relações humanas! “Se alguém é cristão é criatura nova. O que era antigo passou, chegou o novo”. O Homem da cruz reuniu os filhos dispersos, elevado entre céu e terra e vai atraindo todos em volta desse trono e altar (cf. Ef 2,13-16).

Com a imersão batismal, mergulhados na morte e ressurreição de Cristo, nasce o homem novo, o filho de Deus, o divino que não mortifica o humano, mas o valoriza e sublima. A partir do amor com que Cristo nos amou, todos somos unidos por um laço de irmandade. O apóstolo percebe – contemplando o Crucificado – ser chamado a realizar o sonho de Deus Pai, o ponto mais alto e definitivo da história humana. Ele recebeu o papel e o ministério de anunciar a reconciliação. O missionário colabora na realização deste sonho: reunir em volta da cruz todos os povos, como profetizou, mesmo sem querer, Caifás (Jo 11,49ss).

Paulo, á luz da cruz, vê e encontra só filhos no Filho, irmãos: “Pela fé em Cristo Jesus, sois todos filhos de Deus. Vós que fostes batizados, consagrando-vos a Cristo, vos revestistes de Cristo. Já não se distinguem judeu e grego, escravo e livre, homem e mulher, pois com Cristo Jesus sois um só” (Gl 3,26-28). O cristão está devendo a todos este Evangelho! Paulo escreve à comunidade de Roma, que ele sequer conhecia: “Sinto-me devedor de gregos e bárbaros, de sábios e ignorantes; nesse modo, naquilo que depende de mim, estou pronto para anunciar o Evangelho também para vocês que estão em Roma” (Rm 1,14).

Crucifixo, revelador do mistério escondido – Deus, Pai de todo homem e toda mulher da terra, tem um grande sonho: reunir todos em sua casa, irmãos em Cristo Jesus seu filho primogênito. Mistério – nos diz Paulo – guardado em sigilo pelos séculos e agora revelado: “Essa é a revelação de um mistério que estava envolvido no silêncio desde os tempos eternos” (Rm 16,25). Deus “nos fez conhecer o mistério de sua vontade, segundo o desígnio benevolente que formou desde sempre em Cristo, para realizá-lo na plenitude dos tempos: reunir em unidade tudo em Cristo, tudo o que existe no céu e na terra” (Ef 1,9-10).

O caminho da missão

Deus é amor trinitário que se abre além de si para fazer o universo inteiro participar de seu amor e sua felicidade. Paulo sente ser atraído, envolvido neste redemoinho de amor e, imitando Deus e o Cristo pela força do Espírito, lança-se ao apostolado. O amor de Cristo é que impulsiona! O amor de Jesus para conosco é chama que nos aquece e se torna por sua vez chama de amor para Ele e para os nossos irmãos. Pelo amor a Cristo, Paulo não pode mais parar: três viagens entre tribunais, prisões, chicoteadas, conflitos e expulsões. Terra, mar, rios e montes... A caridade de Cristo o aperta, o torna ansioso e inquieto, o amor não descansa. A entrada dos pagãos cria problemas. O amor não desanima, viaja até Jerusalém para resolvê-los. Por fim é levado ao tribunal em Jerusalém e de Jerusalém, tendo apelado a César, vai acorrentado até Roma: “a palavra de Deus não está algemada” (2Tm 2,9).


Talvez, na segunda viagem Paulo aprende por experiência própria a confiar na cruz de Cristo. O fracasso do discurso erudito cheio de artimanhas oratórias de Atenas e Corinto o leva a escrever: “Irmãos, eu mesmo quando fui ao encontro de vocês, não me apresentei com o prestígio da oratória ou da sabedoria, para anunciar-lhe o mistério de Deus. Entre vocês eu não quis saber outra coisa a não ser Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado (...) Minhas palavras e minha pregação não são artifícios para seduzir os ouvintes, mas a demonstração residia no poder do Espírito, para que vocês acreditassem não por causa da sabedoria dos homens, mas por causa do poder de Deus” (1Cor 2,1-5).

O amor gloriosamente manifestado na cruz determina também o definitivo método missionário. Dom Guido adverte seus missionários: “Vocês não podem utilizar ferramenta diferente daquela utilizada por Cristo: a fraqueza da palavra, o fascínio do amor, a humildade, o sacrifício até o dom total de si mesmo... Por isso, ao Missionário que parte por longínquas terras a fim de anunciar a Boa Nova, não é fornecida outra arma a não ser o Crucifixo, porque esta possui o poder de Deus e por ela ele triunfará de tudo e de todos, depois de ter triunfado de si mesmo”.

Trilhando os caminhos de Paulo, o missionário experimenta o amor do Pai, sendo pelo amor impelido a se oferecer, como Cristo se ofereceu, a se tornar “tudo para todos, a fim de salvar alguns a qualquer custo. Tudo isso eu faço por causa do Evangelho, para me tornar participante dele” (1Cor 9,22-23).


Nenhum comentário:

Postar um comentário