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6/07/2012

SEMPRE MAIS

No final de sua jovem vida, Francisco Xavier queria ir sempre mais além, encarando novos desafios. No Japão, ele tinha percebido que o povo era muito dependente da China, de onde tinha trazido a religião, a escritura e quase toda cultura espiritual. Mas as fronteiras da China estavam fechadas aos estrangeiros ...
Uma carta dos prisioneiros portugueses nos terríveis cárceres de Cantão animou-o a preparar uma viagem à China como embaixador do rei de Portugal. Mas, em Malaca, o capitão Álvaro de Ataíde, almirante dos mares do Oriente, se opôs a essa expedição. Mudado o plano inicial, o missionário insiste e não volta atrás: “Vou às ilhas de Cantão, desamparado de todo favor humano, na esperança de que algum gentio me levará à terra firme da China”. As dificuldades parecem impossíveis a serem vencidas. Mesmo assim, Xavier não desiste da idéia.
Antes de embarcar para a sua última viagem, sua imaginação está lá na frente, projetando o nosso missionário ainda mais além. Ouve falar de uma estrada que da China vai até Jerusalém. Francisco retoma um sonho de sua juventude, quando junto a Inácio e aos primeiros companheiros, faz o propósito de ir a Jerusalém com a intenção de levar aos muçulmanos um singelo testemunho de pobreza e de entrega a Deus. Neste projeto, ele tem um desejo louco de reencontrar Inácio, seu amigo e seu pai espiritual, que está em Roma e que não vê a mais de dez anos. Na última carta que lhe escreve de Goa, em abril de 1552, fala-lhe dessa possibilidade e já planeja concretizar seu sonho: “se isso for como me contam, eu o escreverei a Vossa santa Caridade, quantas léguas e quanto tempo precisará para chegar da China até Jerusalém”.
No final de agosto de 1552, Xavier chega à Ilha de Sancião, a 10 km da costa chinesa, ponto de encontro entre comerciantes portugueses e chineses. Lá encontra vários amigos, mas nenhum deles arrisca-se a levá-lo até a cidade de Cantão. Só um contrabandista chinês aceita de levar Xavier, clandestinamente, até o continente. Francisco, não tendo outras escolhas, aposta nesta ajuda, mas o homem desaparece depois de receber o dinheiro.
Em 21 de novembro, Xavier cai doente e fica desacordado com febre alta. Delira e repete muitas vezes: “Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim”. Com a agoniada meta diante dos olhos, ele morre na manhã do dia 3 de dezembro de 1552, com 46 anos, longe de todos, numa pobre cabana. Xavier é abandonado por quase todos sem poder concretizar seu mais ousado e ambicioso projeto. Ele é como Moisés que avista a Terra Prometida sem poder entrar nela. Sua visão de chegar às portas da realização do seu sonho é a herança de impulso, de audácia e de vitalidade missionária que deixou à posteridade.
Nessa última viagem transparece em Francisco Xavier aquele “homem espiritual” capaz de servir a Deus e ao próximo uma dinâmica chamada do “sempre mais”. Este é um princípio característico de Santo Inácio de Loyola, que cada membro da Companhia de Jesus, discernindo os sinais dos tempos, descobre no contexto dos desafios e das oportunidades que o mundo oferece, uma exigência apostólica de criatividade.
A Congregação Geral da Companhia de Jesus reafirma hoje com uma certa ousadia: “Os jesuítas nunca ficam satisfeitos com um estado de acomodação, do já conhecido, do já experimentado, do que já existe: somos continuamente levados a descobrir, redefinir e alcançar o ‘sempre mais’. Para nós, fronteiras ou limites não são obstáculos ou pontos de chegada, e sim novos desafios a serem encarados, novas ocasiões a serem aproveitadas. Verdadeiramente é típica da nossa maneira de proceder uma santa audácia, uma certa agressividade apostólica”.
Desta “santa audácia”, ou garra apostólica, Francisco Xavier é uma magnífica realização: nada parece frear seu ímpeto missionário. Quando ele descobre que Deus o chama nas Ilhas Molucas, ou no Japão, ou na China, a ousadia e a criatividade o levam a superar todo obstáculo, a encontrar todos os meios necessários para vencer as dificuldades e alcançar o objetivo que a caridade de Deus lhe aponta, com a certeza que “tudo é possível a quem tem fé” (Mc 11,23), porque “nada é impossível a Deus” (Lc 1,37).
Suas atitudes e suas escolhas expressam um único princípio fundamental: só Deus! Deus é mais! Deus é vida ... e convida as pessoas a apostarem sua vida com Ele.

Nos passos de Xavier

Com essas páginas terminamos a seção central de Família Xaveriana dedicada à espiritualidade de São Francisco Xavier, nesse ano em que se celebra o V centenário de seu nascimento. Quatro foram os aspectos abordados: a capacidade do missionário de sonhar com um mundo novo; sua disponibilidade radical em tornar-se dom para os outros; sua propensão à proximidade e à amizade com as pessoas; e agora, por último, a dimensão universal de seu chamado expresso na ousadia de ir sempre mais além, até chegar a todos. Tudo está centrado numa entrega total e confiante em Deus. Para Xavier, o missionário é nada, Deus é tudo. É Ele que faz acontecer a missão. A vida espiritual do missionário consiste na disposição de conformar sua vida na vida e na ação de Deus.

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