“O Espírito do Senhor está
sobre mim” (Lc 1, 1-4; 4,14-21)
O texto relata a primeira experiência
da Vida Pública de Jesus. Deu-se na sua terra de criação - Nazaré. Na linguagem
de hoje, Jesus foi para a capela da comunidade e foi convidado a fazer parte da
equipe litúrgica, para fazer a segunda leitura! Naquela época, o culto da
sinagoga tinha duas leituras - a primeira tirada da Lei, a segunda dos
Profetas. Jesus, abrindo o livro do Profeta Isaías, encontrou a passagem que
diz:
“O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque Ele me consagrou para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para
proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para
libertar os oprimidos, e para
proclamar um ano da graça do Senhor” (4, 18-19).
Não que Ele encontrasse esta passagem por acaso! Pelo contrário - Jesus
procurou até achar, pois Ele identificava a sua missão com aquela descrita pelo
profeta. Por isso, na hora da homilia, começou com a frase chocante: “Hoje se
cumpriu essa passagem da Escritura, que vocês acabam de ouvir” (4, 21). Jesus
identificou a sua missão com a do Capítulo 61 de Isaías. Nós, como discípulos
d’Ele, temos a mesma missão. Olhemos os elementos:
a) “Anunciar a Boa Notícia aos pobres”: O evangelho é “Boa-Notícia” - não uma série de leis, nem uma lista de práticas rituais, nem uma moral (embora
tenha todos estes elementos), mas uma experiência de Deus que traz alegria,
felicidade, - especialmente para os pobres! Portanto, Ele toma posição - o que
é boa notícia para uns, é má-notícia para outros! O que é boa notícia para o
oprimido, é má notícia para o opressor, a não ser que mude de vida! Não existe
uma Boa-Notícia neutra, igualmente boa para todos! E não devemos diluí-lo a
termo “pobre” - aqui não é o pobre de espírito, nem de coração, nem de fé... é
o pobre mesmo, aquele/a que não tem o necessário para uma vida digna (Lucas usa
o termo grego “ptochois”, que significa mais ou menos “indigentes”). Com
certeza, na nossa sociedade inclui todos os excluídos.
b) “Proclamar a libertação aos presos”: Não só aos na cadeia, mas que estão
sem a liberdade dos filhos de Deus - presos hoje pelas consequências do
neo-liberalismo, do desemprego, do salário mínimo; pelas correntes de racismo,
machismo, clericalismo, e tudo que oprime! Também aos presos no seu próprio
egoísmo, pois o assumir dos valores evangélicos vai libertá-los. Porém, esta
libertação passa pela mudança radical na sua maneira de viver.
c) “Aos cegos a recuperação da vista”: Quanta gente cega hoje! E não por
doença
dos olhos, mas cegada pela ideologia dominante que não deixa ver a realidade do
mundo e dos sofridos; pelas falsas utopias alienantes e pela manipulação de
informação pelos meios de comunicação, dominados pela elite, que “fazem a
cabeça”; quantos cegos diante da possibilidade de mudança através da força
histórica dos oprimidos! Vale a pena notar que o texto enfatiza a “recuperação”
da vista - não a doação dela. Ou seja, trata-se de ajudar os/as que uma vez
viram a realidade com os olhos de Deus, mas foram cegados pela ideologia
dominante ao ponto de não enxergarem mais a verdade.
d) “Libertar os oprimidos”: Aqui há o eixo fundamental de toda a Bíblia - o
como o
Deus que liberta os oprimidos (Êx 3, 76-10). Jesus se coloca - e coloca todos
os seus seguidores - neste mesmo compromisso. Hoje a época é diferente, mas a
opressão continua, e Deus nos conclama para que todos nós nos empenhemos nesta
luta para concretizar a libertação dos oprimidos.
e) “Proclamar o ano de graça do Senhor”: O Ano da Graça - o Ano Jubilar! Memória da proposta do Lv 25, o ano do perdão das dívidas, da libertação dos escravos, da devolução das terras aos seus donos originais!
Como concretizar, na realidade do Brasil de hoje, esta visão? O que significa hoje o perdão das dívidas, a libertação dos escravos e a devolução das terras?
Questões evangélicas da fé, que têm fortes consequências políticas e econômicas
e desafiam a tendência à uma religião intimista, individualista e desencarnada
da realidade. Pois júbilo, alegria, não pode ser decretado - tem que brotar de
algum motivo profundo.
Aqui o próprio Jesus fala da sua missão, que é também a nossa. Pois, fomos todos “consagrados com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres, para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar o ano da graça do Senhor” (4, 18-21).
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