O testemunho do Batista (Jo 1,29-34)
Nestes poucos versos (João 1,29-34) existem as
seguintes expressões com densidade simbólica: 1) Cordeiro de Deus; 2) Tirar o
pecado do mundo; 3) Existia antes de mim; 4) A descida do Espírito sob a imagem
de uma pomba; 5) Filho de Deus.
Cordeiro de Deus (João 1,29)
Este título evocava a memória do Êxodo. Na noite da
primeira Páscoa, o sangue do Cordeiro Pascal, passado nos umbrais das portas
das casas, e a refeição comunitária tinham sido sinais de libertação para
o povo (Êxodo 12,1-14). Para os primeiros cristãos, Jesus é o novo Cordeiro
Pascal que doa sua vida como servo e liberta o seu povo (1 Coríntios 5,7; 1
Pedro 1,19; Apocalipse 5,6.9).
A partir dessa imagem da primeira Páscoa, Jesus
atualiza o Êxodo libertador, promovendo vida, libertando de tudo o que
escraviza e oprime. Hoje, tornar-se discípulo deste Cordeiro é segui-lo no
caminho da defesa e cuidado da vida.
“Depois de mim, vem um homem que passou adiante de
mim” (João 1,30). Para o Batista, Jesus é um homem que o seguia, mas que agora
vai além dele.
Tirar o
pecado do mundo (João 1,29)
Evoca a frase tão bonita da profecia de Jeremias:
“Ninguém mais precisará ensinar seu próximo ou seu irmão dizendo: ‘Procure
conhecer a Javé’, porque todos, grandes e pequenos, me conhecerão, pois eu
perdoo suas culpas e esqueço seus pecados” (Jeremias 31,34).
Para a comunidade joanina, o pecado do mundo é o
sistema que sustenta e justifica preconceitos e ódio, violência e exclusão,
imperialismos grandes ou pequenos. Pecado é a ausência de amor e de justiça.
Não é por acaso que este evangelho usa muito a palavra mundo: “Se o mundo vos
odeia...” (João 15,18). E o mundo que odeia persegue e mata. Este mundo
justamente está em pecado porque gera morte. O pecado está em todo o sistema e
nas pessoas que diminuem a vida (cf.
João 15,18-22). É por isso também que
Jesus diz: “Meu Reino não é deste mundo” (João 18,36), isto é, seu reinado não
é como este mundo em pecado, mas é alternativo, é de justiça, de amor e de
partilha. Por Jesus doar-se ao cuidado da vida na construção de um mundo novo
sob o reinado de Deus, ele foi morto pelos poderosos de seu tempo. Da mesma
forma, o cordeiro na Páscoa judaica dá a vida como memorial da experiência
libertadora com Deus no Êxodo.
Hoje, está em pecado quem adere ao sistema do mundo,
tornando-se colaborador de todos os seus males. Está em pecado quem entra na
lógica do sistema pecaminoso que calunia e difama as pessoas que se engajam na
promoção de um mundo mais justo, isto é, que lutam para eliminar o pecado deste
mundo, fortalecidas com a presença do Cordeiro.
Existia antes de mim (João 1,30)
Evoca vários textos dos livros sapienciais, nos quais
se fala da Sabedoria de
Deus que existia antes de todas as outras criaturas e
que estava junto de Deus como mestre-de-obras na criação do universo e que, por
fim, foi morar no meio do povo de Deus (Provérbios 8,22-31; Eclesiástico
24,1-11).
Jesus encarna essa Sabedoria divina, geradora de vida
desde o início da criação (Gênesis 1). Mas não somente encarna a Palavra
criadora. Ele também encarna a Palavra libertadora que “veio armar tenda no
meio de nós” (João 1,14), tal como Deus habitara em uma tenda no meio do seu
povo na caminhada pelo deserto em busca de vida digna na liberdade (cf. Êxodo
25,8).
Descida do Espírito como imagem de uma
pomba (João 1,32)
Evoca a ação criadora onde se diz que “o espírito de
Deus pairava sobre as águas” (Gn 1,2). O texto de Gênesis sugere a imagem de um
pássaro que fica esvoaçando em cima do ninho. Imagem da nova criação em
andamento através da ação de Jesus.
Toda a vida de Jesus é animada pelo Espírito que o
unge para a missão de comunicar a vida e o amor fiel de Deus. Jesus assumia tão
intensamente o Espírito do Pai a ponto de se identificar com ele. E seu batismo
é no Espírito, isto é, comunica o amor de Deus a quem adere a seu projeto de
vida.
Filho de Deus (João 1,34)
Este é o título que resume todos os outros. O melhor
comentário deste título é a explicação do próprio Jesus: “As autoridades dos
judeus responderam: Não queremos te apedrejar por causa de boas obras, e sim
por causa de uma blasfêmia: tu és apenas um homem, e te fazes passar por Deus. Jesus
disse: Por acaso, não é na Lei de vocês que está escrito: Eu disse: vocês são
deuses? Ninguém pode anular a Escritura. Ora, a Lei chama de deuses as pessoas
para as quais a palavra de Deus foi dirigida. O Pai me consagrou e me enviou ao
mundo. Por que vocês me acusam de blasfêmia, se eu digo que sou Filho de Deus? Se
não faço as obras do meu Pai, vocês não precisam acreditar em mim. Mas se eu as
faço, mesmo
que vocês não queiram acreditar em mim, acreditem pelo menos em
minhas obras. Assim vocês conhecerão, de uma vez por todas, que o Pai está
presente em mim, e eu no Pai." (Jo 10,33-39).
Se no início do texto de hoje João afirma a humanidade
de Jesus (João 1,30), agora afirma a sua divindade (João 1,34). E, na medida em
que vamos assumindo nossa condição de filhas e filhos de Deus, tornamo-nos
sempre mais irmãs e irmãos de Jesus. Tornamo-nos também pessoas divinas, como
reza o Salmo que Jesus recordou (cf. Salmo 82,6).
Fonte: Carlos Mesters e Ildo Bohn Gass
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