O Espírito da Verdade defende a comunidade (João 14,15-21)
No evangelho proposto para a
liturgia deste final de semana, Jesus segue sua conversa com a comunidade de
discípulos e discípulas. O contexto é a última ceia que Jesus realiza com o seu
grupo na noite antes de ser preso. São as últimas horas que ele passa com o seu
grupo, antes de as forças militares romanas e os guardas do templo, enviados
pelos sumos sacerdotes e fariseus, e guiados por Judas Iscariotes, o prenderem
no jardim do outro lado da torrente do Cedrom (18,1-3). A comunidade está
sentada ao redor da mesa, partilhando o pão e participando da angústia de Jesus
(13,21-30). Então, ele lhes dá um novo mandamento (13,34-35). Fala-lhes de sua
intimidade amorosa com o Pai, apresentando esse amor incondicional como o
caminho, a verdade e a vida. A missão das pessoas que creem em Jesus, aderindo
ao seu projeto de vida, é fazer as mesmas obras que ele fez e até obras maiores
(14,1-14).
O texto de hoje dá sequência a
essa conversa íntima que Jesus estabelece com quem lhe é fiel. Ele quer dar
esperança à sua comunidade que está preocupada em como realizar essa missão no
seguimento do mestre, quando ele não estiver mais fisicamente presente. Como
superar o medo, quando Jesus não estiver mais com seus seguidores e quando
vierem as perseguições? E Jesus diz: “Não vos deixarei órfãos” (14,18). “Meu
Pai dará para vocês outro advogado ou defensor, a fim de que ele esteja para
sempre com vocês” (14,16).
Quem me
ama, será amado por meu Pai (14,21)
O primeiro e o
último versículo de nosso texto falam em amar a Jesus (14,15.21). Amar a
Jesus é aderir incondicionalmente a ele, a seu mandamento de amor, a seu
projeto de vida plena, vida em abundância (10,10). É permanecer em sua palavra
que conduz à verdade que liberta (8,31-32). Amar a Jesus é acolher e aderir a
seu mandamento de amor (14,15), pois é na prática do amor que se conhecerá quem
é o seu discípulo (13,35). “E quem tem os meus mandamentos e os observa, é que
me ama. E quem me ama, será amado por meu Pai. Eu o amarei e a ele me
manifestarei” (14,21). Entrar no dinamismo do amor de Jesus é fazer parte do
amor do Pai, é viver como filho e como filha de Deus, revelando a sua ternura,
o seu desejo de vida cidadã. Viver o seu amor é, mesmo na ausência física de
Jesus, continuar sendo animado por seu dinamismo. Ele é o nosso defensor ou
consolador, agora presente na força do Espírito.
Que
permaneça para sempre com vocês o Espírito da Verdade (14,16-17)
Jesus vai embora,
mas não nos deixa órfãos. Não nos abandona, deixando-nos sozinhos
na missão de amar e de lutar por vida digna. Ele promete que vai pedir ao Pai
para que envie outro advogado, consolador ou defensor. É o Espírito Santo, o
Espírito da Verdade. É ele quem realizará o projeto de Jesus em cada um e cada
uma de nós, a fim de trilharmos no caminho da verdade que conduz à liberdade
plena.
O Espírito da Verdade vem exercer
a mesma função de Deus no Antigo Israel, isto é, de defender, libertar e
resgatar o seu povo do sofrimento e da perseguição (Jó 19,25; Isaías 41,14;
48,17). E esta era a situação da comunidade joanina na época em que este
evangelho foi escrito no final do primeiro século (16,1-2). E, por seguir o
projeto do “príncipe deste mundo” (14,30), o “mundo” não pode acolher o
Espírito da Verdade (18,17).
Quando a
comunidade joanina fala em “mundo”, refere-se à sociedade injusta que caluniou,
perseguiu e executou Jesus na cruz. Os responsáveis principais por esta
estrutura social eram os governantes do império colonialista de Roma, bem como
seus governantes dependentes, isto é, os procuradores, a dinastia de Herodes e
os sumos sacerdotes que eram nomeados pelos interventores romanos. Os
interesses do império não eram o amor, a vida e a
liberdade das pessoas e dos
povos. Ao contrário, a pax romana era a dominação implacável sobre as nações
conquistadas. Por isso, Jesus diz: “Deixo-vos a paz. A minha paz vos dou. Não
vo-la dou como o mundo a dá” (14,27). É uma crítica direta à proposta de paz
vinda de Roma, bem como a apresentação de outro jeito de reinar. Podemos ainda
ler em João 18,36: “Meu reino não é deste mundo”. “Este mundo” é uma referência
às relações injustas impostas pela sociedade de então. E Jesus afirma que o
projeto de Deus não é como o reino deste mundo, mas é alternativo, é de justiça
e de partilha, de solidariedade e de perdão. Este está sob a influência do
Espírito da Verdade que gera vida. Aquele é conduzido pelo espírito da mentira
e da violência, promovendo morte.
Com essa análise
de conjuntura, Jesus identificou o pecado estrutural como a grande força de
morte a ser combatida. Ele não pregou um moralismo individualista. A ética
que propunha era o engajamento na transformação das estruturas “deste mundo” em
estruturas conforme o projeto de Deus para a humanidade, isto é, o Reino
de Deus e a sua justiça (Mateus 6,33). Não é por acaso que Jesus se tornou uma
ameaça para os poderes deste mundo.
O Espírito que
Jesus nos concede é o mesmo que o animou desde o início de sua missão, quando,
no batismo, foi ungido por ele para comunicar-nos a vida e o amor fiel (1,33). Junto com
a Verdade, o Espírito também é o princípio da verdadeira religião, vivida no
amor (4,23). Diferentemente do diabo, que é homicida e pai da mentira (8,44), o
Espírito que o Pai nos envia gera vida e verdade. Não é mais a letra da lei que
revela a verdade, mas o amor de Deus vivido por Jesus. Esse mesmo Espírito
ensina tudo e recorda o que Jesus disse (14,26). Conduz à verdade plena (16,3),
testemunha Jesus (15,26) e transforma tristeza em alegria (16,16-24).
Por fim, quando
Jesus nos envia assim como o Pai o enviara (20,21), ele sopra sobre a
comunidade reunida e diz: “Recebei o Espírito Santo” (20,22). Então,
como pessoas recriadas com o sopro da vida (cf. Gênesis 2,7), sejamos
discípulas e discípulos de Jesus, conduzidos pelo mesmo Espírito que o animava
em sua missão.
“Envia teu Espírito, Senhor, e renova a face da terra” (cf. Salmo
104,30).
Ildo Bohn Gass
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