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2/20/2016

TRANSFIGURAÇÃO

Celebração antecipada da vitória sobre a cruz


Segundo os evangelistas, a cena da transfiguração está em meio aos anúncios da paixão. A intenção é mostrar como a cruz faz parte da vida de quem assume o projeto do Pai até as últimas consequências. A fidelidade a Deus e ao resgate da vida dos pobres contraria interesses religiosos, econômicos e políticos. Nesse sentido, a perseguição pelos poderes que governam este mundo é inevitável na vida de quem assume a causa do Reino e de sua justiça.

Este relato é uma leitura pós-pascal e pretende narrar antecipadamente a vitória de Jesus sobre a morte na cruz, apresentando-o como o messias glorioso. É o que indicam seu rosto transfigurado e suas vestes resplandecentes de brancura (Lc 9,29). A ressurreição, a vitória sobre os poderosos, é a vida em toda a sua plenitude que vence os poderes de morte deste mundo.

Lucas é o único evangelista a informar que Jesus subiu o monte com o propósito de orar (Lc 9,28), buscando estar em sintonia constante com o Pai, de modo que o Espírito dele fosse a força a conduzir a sua missão (Lc 4,14-19).


Elias é o representante da profecia. Moisés faz lembrar não somente o êxodo, mas também todo Pentateuco, toda lei, que a tradição judaica atribuía a ele. Por um lado, a lei e os profetas, isto é as Escrituras todas, se cumprem em Jesus. Ou seja, o Nazareno dá continuidade à primeira aliança, levando-a à sua plenitude. Por outro lado, as comunidades apresentam Jesus como um profeta que, tal como os profetas Elias (1Rs 17,1) e Moisés (Dt 18,15), veio anunciar um novo êxodo de liberdade para seu povo. O fato de Jesus subir no monte, acompanhado por Pedro, Tiago e João, confirma esta perspectiva, pois é uma referência ao monte Sinai, no qual Deus deu a conhecer ao povo o seu projeto de vida e de liberdade, que Moisés registrou no decálogo (Ex 20,2-17). A tradição identificou a montanha da transfiguração com o monte Tabor. E Jesus é apresentado ao mundo como o novo Moisés que vem para resgatar a essência da lei, isto é, o amor que liberta e promove a vida de todos igualmente.


Ao propor ficar na montanha e construir três tendas (Lc 9,33), Pedro revela sua dureza de coração. Segundo os evangelistas Mateus e Marcos, fazia pouco tempo que Jesus já lhe tinha chamado a atenção para sua cegueira, acusando-o de cumprir a função de Satanás como pedra de tropeço no projeto de Deus (Mt 16,22-23; Mc 8,33). Mesmo assim, Pedro ainda não compreendera que a construção da justiça do Reino não permite privilégios, nem acomodação. Ser discípulo não é somente participar da glória de Jesus, mas é também carregar a sua cruz, gerando e defendendo a vida.
A nuvem (Lc 9,34) é um dos símbolos privilegiados na Bíblia para falar da presença de Deus (Ex 13,21; 16,10; 34,5; Nm 12,5). E, tal como Maria fora envolvida pela sombra do poder do Altíssimo (Lc 1,35), agora desceu uma nuvem sobre a montanha, envolvendo-os. É o Pai confirmando a missão do Filho. Da nuvem saiu uma voz que disse: "Este é meu filho, o meu eleito; ouvi-o", da mesma forma como já havia anunciado por ocasião do batismo (Lc 3,22). Jesus é o Emanuel, presença libertadora de Deus entre nós (Mt 1,23).


Não é possível acomodar-se no alto da montanha. Ouvir a sua voz desinstala e leva a descer para junto do povo sofrido e tornar o Reino de Deus presente, sem ufanismo ou triunfalismo (Lc 9,37). Mas ciente de que o seguimento humilde da prática libertadora de Jesus significa estar disposto a também sofrer as consequências da cruz.


[Ildo Bohn Gass]

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