“E se saudais somente os vossos irmãos,
o que fazeis de
extraordinário? (Mt 5,47)
No evangelho de hoje, Jesus pergunta aos seus seguidores o
que fazem de extraordinário. Isso nos leva a pensar que o cristão deve ser
aquele que tem atitudes extraordinárias, comportamentos extraordinários, ações
extraordinárias, etc… Portanto, esta é uma das características do cristão: ser
extraordinário. No entanto, quando pensamos em “extraordinário”, pensamos em
enormes obras, coisas estrondosas, mirabolantes, etc…
O que é “extraordinário”? A palavra nos
sugere pensar o seguinte: “extra” + “ordinário”. “Ordinário” é o que está na
ordem do dia, nas regras, nos comportamentos ditos normais de
todos, na mesmice
do dia a dia. Isto é o ordinário: acordar, trabalhar, estudar, casar, comprar,
consumir, morrer… Milhões de pessoas passam a vida fazendo o ordinário. E
simplesmente “passam”.
Aqueles que fazem coisas “além desse
ordinário”, ou seja, “extra”, são pessoas “extraordinárias”. Portanto, tudo
aquilo que vai além da normalidade, do comportamento geral, isso é
extraordinário. Dessa forma, tiramos do conceito de “extraordinário” a
necessidade de “coisas enormes”. Mas, coisas mais profundas, com mais sentido,
com “sabor diferente”, com “características diferenciadas”.
O seguimento de Jesus é para aqueles
que querem “algo mais”, que querem o
“extraordinário”. A espiritualidade é a contracorrente do ordinário. Se, de um
lado, o ordinário nos arrasta para a repetição e a conservação, de outro lado,
a espiritualidade nos impulsiona para a busca e a descoberta. Se permanecermos
simplesmente no ordinário, então nos tornaremos medíocres e nos contentaremos
com o “menos”.
A espiritualidade cristã é a espiritualidade
do cotidiano, que conserva sua força transformadora, que é
capaz de despertar o espanto e a admiração, apontando sempre para um horizonte
mais amplo e mais rico; é a espiritualidade que reacende desejos e sonhos
novos, que suscita energias em direção ao mais; é a espiritualidade que faz
descobrir, escondida no ordinário, uma Presença absoluta que nos envolve; é a
espiritualidade que faz saborear o eterno e o Absoluto no ritmo doméstico e
cotidiano da vida… É a espiritualidade que projeta a vida a cada instante; abre
espaço à ação do Espírito para que Ele nos expanda, nos alargue e nos impulsione
para horizontes novos.
Uma pessoa certa vez disse: “todos nós
somos chamados a sermos santos; e santo não é aquele que faz coisas
extraordinárias, mas santo é aquele que faz as coisas ordinárias de forma
extraordinária”. Há aqui um sentido profundo: ser uma pessoa “normal”, mas que
faz tudo de forma extraordinária. Fazer bem as coisas, com responsabilidade,
com ética, com respeito, com justiça…
E temos muitas pessoas extraordinárias
no mundo hoje, felizmente. Ocorre que os grandes meios de comunicação, ordinários
(em todos os sentidos da palavra), não divulgam o que elas vivem: não retribuem
violência com violência, são capazes de entregar o manto e de não
dar as costas
a quem pede emprestado; amam os inimigos e rezam por aqueles que as perseguem.
Vivem de maneira extraordinária. Tais pessoas fazem a diferença.
É a “mística” que nos desperta da
letargia do cotidiano. E despertos, descobriremos que o cotidiano guarda
segredos, novidades, energias ocultas, forças criativas… que podem sempre
conferir novo sentido e brilho à vida. O Reino se revela no pequeno, no anônimo,
no ordinário e não só no espetacular, no grandioso. É o cotidiano que nos
prepara para as grandes decisões.
Na vida cotidiana, as pessoas correm o
risco de serem apenas imitadoras ou repetidoras, pois temem se perderem na
busca do novo; as respostas são confirmadas, mesmo que estas sejam velhas e
desfocadas e as perguntas são silenciadas. Fechado em si mesmo o ordinário
torna-se pesado, desinteressado e frustrado.
As “ações cotidianas insensatas” podem
ser “sensatas” (com sentido), se percebermos Deus presente nelas. Descobrir a
presença divina escondida no ordinário é encontrar-nos acolhidos pelo abraço do
Criador que nos envolve.
Falamos de uma cotidianidade humana,
isto é, daquelas atividades de nossa vida diária que, embora irrelevantes em
sua aparência, tem uma razão de ser, uma motivação e um modo de serem feitas
que não se deve à mera casualidade ou a um impulso instintivo de repetição ou
automatismo.
O cotidiano é o que vivemos e/ou
fazemos cada dia: o conjunto de circunstâncias, atividades e relações que
formam a trama da nossa vida através da qual Deus se revela presente e atuante.
Com essa inspiração, o cotidiano torna-se o “lugar” das experiências.
É na realidade diária que cada cristão
é chamado a viver em comunhão com Deus e a deixar-se conduzir pelo mesmo
Espírito que animou Jesus e o levou a inserir-se na trama humana, assumindo o
risco da história. Ser cristão inserido no mundo, em meio às agitações
cotidianas, é acima de tudo ter Jesus como referência de vida: suas palavras,
suas ações, seu modo de relacionar-se com o Pai e com os irmãos…
Quando a vida cotidiana do cristão se
torna monótona e se faz “normal”, é necessário sacudi-la com
algum “detalhe não-normal”, que ajuda para revigorá-la e dar-lhe fecundidade.
Neste sentido, os tempos de oração são
os momentos privilegiados para que toda pessoa,
consciente de sua responsabilidade social e empenhada na transformação de seu “entorno”, possa encontrar em sua vida cotidiana a fonte e sua fecundidade transformadora.
consciente de sua responsabilidade social e empenhada na transformação de seu “entorno”, possa encontrar em sua vida cotidiana a fonte e sua fecundidade transformadora.
Para meditar na oração
O Espírito nos faz abrir os olhos às
realidades novas em nossa vida cotidiana; mas nossos olhos somente se abrirão
se formos fiéis à voz do Espírito nos simples atos de nossa vida cotidiana.
Suas atividades diárias formam parte do seu caminho para Deus? Você tem
consciência que cada dia é um “tempo de graça”? Você “apalpa” a presença de
Deus nas “rotinas diárias”?
Adroaldo Palaoro
Nenhum comentário:
Postar um comentário